domingo, 30 de novembro de 2008

Jaguadarte

Lembro-me de um colega de faculdade, o Shimaba, um cara gente boa: japonês com visual meio punk, cabelo espetado, fala engraçada e estudante de física na área de raios cósmicos (vê que estranho!). Ele foi um aluno, até onde sei, brilhante (já estava terminando o mestrado em matemática enquanto eu ainda pelejava na graduação - e entramos na mesma época), mas nem por isso deixava de fazer tudo o que gostava: era fanático por rock and roll e fazia parte de uma banda bastante barulhenta, cujo nome, salvo engano, era "Quasímodo Traça Jaguadarte".

Nessa altura do campeonato, não sei se o nome era exatamente esse, mas, de hoje em diante, passa a ser, pois é assim que ficou registrado em minha memória e deve haver um bom motivo para isso. Bem, dá para imaginar que esse nome sempre despertou minha curiosidade mas, por incrível que pareça, nunca fiz a pergunta mais clichê que existe para alguém que tem uma banda: "De onde surgiu o nome?". Na verdade, esse é o tipo de pergunta intrigante que jamais me dei ao trabalho de responder, pois às vezes os mistérios dos nomes são mais interessantes que as respostas. Assim sendo, naquela época fiquei achando o nome engraçado e apenas isso.

"Quasímodo Traça Jaguadarte"... Bem, vamos ver que tipo de interpretação essas palavras despertam em mim. O Quasímodo todos nós conhecemos, apesar que nem sempre pelo seu nome verdadeiro. Ele é o corcunda que habitava a Catedral de Notre Dame no livro de Victor Hugo. Era um sujeito que, devido à sua deformidade, vivia isolado do convívio humano. Já o Jaguadarte, após uma aula na faculdade, descobri ser um personagem de Lewis Carrol no livro Alice no País do(s) Espelho(s). Tenho a impressão que já havia pesquisado isto antes na Internet, mas devo ter esquecido quase no mesmo instante.

Na história de Alice, traduzida - ou transportada para o português - por Augusto de Campos, o Jaguadarte era um monstro que andava apavorando o pessoal daquele lugar e acabou morto por um guerreiro e sua espada. O interessante seria imaginar esse guerreiro como sendo Quasímodo. É o oposto do que temos em mente ao lermos uma história de cavalaria. Normalmente o herói é forte, faz sucesso com as mulheres e tudo o mais. Neste caso, o matador de monstros seria um pária deformado e não um Siegfried ungido pelos deuses. É, no mínimo, uma abordagem irônica e, com certeza, mais condizente com a nossa época.

Nunca perguntei o significado do nome da banda e talvez jamais ouça a explicação da boca de algum de seus componentes, mas estou satisfeito com a imagem que ela me desperta e, após tantos anos, acho que isso me basta.

A propósito, existe um ensaio interessante sobre tradução (escrito por Tatiana F. Rodrigues) utilizando justamente a transposição de Jabberwocky para Jaguadarte, realizada por Augusto de Campos, em http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=946.



Jabberwocky

`Twas brillig, and the slithy toves

Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

"Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun

The frumious Bandersnatch!"

He took his vorpal sword in hand:

Long time the manxome foe he sought --
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

"And, has thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!'
He chortled in his joy.

`Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.


Lewis Carroll
[from Through the Looking-Glass and What Alice Found There, 1872]



JAGUADARTE


Era briluz. As lesmolisas touvas

roldavam e reviam nos gramilvos.

Estavam mimsicais as pintalouvas,

E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!

Garra que agarra, bocarra que urra!

Foge da ave Fefel, meu filho,

e corre do frumioso Babassura!”

Ele arrancou sua espada vorpal

e foi atrás do inimigo do Homundo.

Na árvore Tamtam ele afinal

Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,

Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,

Sorrelfiflando atraves da floresta,

E burbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta

Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!

Cabeça fere, corta e, fera morta,

Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!

Vem aos meus braços, homenino meu!

Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"

Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas

Roldavam e relviam nos gramilvos.

Estavam mimsicais as pintalouvas,

E os momirratos davam grilvos.

Lewis Carroll

[tradução Augusto de Campos]

Um comentário:

Qtj disse...

Ensaiamos ontem...