quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O aniversário em "A última crônica", de Fernando Sabino, e as drogas, no texto de (?)

Aviso: este texto foi construído tendo como premissa o fato da crônica "Diga não às drogas" ter sido escrita por Luís Fernando Veríssimo, fato posteriormente negado pelo autor e amplamente difundido na Internet. Assim, leia "autor desconhecido" quando surgir o nome do escritor gaúcho. As duas obras em análise podem ser encontradas nos posts mais recentes.

O texto de Fernando Sabino apresenta uma verdadeira compilação teórica dos elementos constitutivos do gênero crônica. Ele se utiliza, no primeiro parágrafo, da metalinguagem, ao mencionar que está adiando o momento da escrita. A seguir, enumera algumas características da crônica, tais como: busca do pitoresco, do irrisório, no cotidiano de cada um; captação de aspectos humanos na vida diária; vislumbre do circunstancial, do episódico, do acidental; o escritor como espectador, captando a essência de um fato, com o olhar fora de si.

Em “A última crônica”, Fernando Sabino acompanha uma celebração de aniversário atípica. O cronista observa, em um bar, uma família de pretos – um casal e sua filhinha – a comemorar o aniversário da menina. A estranheza principia pelo local incomum. Um botequim não é o ambiente tradicional para este tipo de festa. Essas comemorações normalmente ocorrem nas casas das pessoas ou em locais alugados com essa finalidade. Há sempre muita comida, bebida, brincadeiras, presentes e algazarra. No caso deste texto, pelo contrário, os três estão sozinhos – apenas o núcleo da família –, meio deslocados e constrangidos. Devido a seus parcos recursos, podem apenas comprar um pequeno pedaço de bolo e um refrigerante; as velas foram trazidas na bolsa da mãe. A despeito de suas condições materiais, a menina encara sua celebração com expectativa e alegria, como ocorreria em qualquer festa de aniversário. Para ela, tudo aquilo é novo e o olhar da criança consegue impor magia à dura realidade. É interessante mencionar que o autor afirma não haver ninguém, além dele, a observar o trio. Este comentário é uma indicação do olhar diferenciado do cronista, sujeito capaz de observar detidamente uma cena cotidiana e retirar dela algo geral, profundo e belo. Outro ponto que salta aos olhos é o fato das velas serem em número de três, assim como os componentes da família e, ao contrário destes, terem a cor branca. Possivelmente não se trata apenas de coincidência. Quanto ao desenrolar da celebração, é comovente perceber que os pais consideram aquele momento extremamente importante, a despeito da simplicidade da cerimônia. Assim, não é a abundância material que se destaca no trio, mas a grandeza de seus sentimentos humanos: a mãe acaricia a filha e o pai observa o ambiente que os circunda, orgulhoso por poder proporcionar este momento de felicidade à menina. Ao final, o preto, de início titubeante, acanhado, encontra o olhar do autor, o sustenta e emite um sorriso. Novamente o que há de bom no ser humano surge, representado pela pureza desse sorriso.

Na crônica “Não às drogas”, de Luís Fernando Veríssimo, o autor brinca – com sua peculiar ironia e seu senso de humor cortante – com a indústria musical ao comparar seus meios de aliciamento aos utilizados pelos traficantes de drogas. Aliás, as drogas que dão título ao texto são os gêneros musicais criados para o entretenimento das massas e enriquecimento dos donos de gravadoras, músicos, emissoras de rádio e lojas especializadas. O processo pelo qual o usuário passa até chegar ao fundo do precipício é descrito minuciosamente. No início, alguém oferece o produto para que você experimente. Poderia ser, por exemplo, maconha. No caso, era um sertanejo de raiz. Após a iniciação, o drogado passa a consumir com alguma freqüência, o que o faz comprar pela primeira vez. O narrador menciona ter adquirido um disco sertanejo. Na seqüência, começa a existir a variação, com o consumo de diferentes drogas. Entram em cena o pagode e o axé. Daí passa-se às drogas mais pesadas e o autocontrole começa a ir embora. O antigo usuário agora principia a ter papel ativo na indústria. Poderia ser um “avião”, um pequeno traficante ou um componente de grupo de pagode. O próximo passo é a queda, quando tudo na vida passa a ser secundário, a auto-estima não mais existe e o universo pessoal fica centralizado no vício. O doente não consegue reconhecer a si mesmo, sendo seu comportamento algo impensável em tempos anteriores. A seguir, o narrador indica que existe uma cura, um tratamento. A clínica de desintoxicação ministra doses potentes de medicamentos, como jazz, MPB e até música clássica.

Nessa crônica, Luís Fernando Veríssimo utiliza a comparação com o que existe de pior na sociedade, que é o submundo criminoso do tráfico de drogas, para manifestar seu descontentamento com a violência cultural a que a indústria musical nos submete. Ele se sente agredido e utiliza os artifícios do humor e da ironia para tentar nos mostrar como somos manipulados por esses organismos em sua incansável busca pelo lucro rápido. Pode-se extrair, também, a idéia de que poderíamos ser agraciados com um conteúdo de melhor qualidade, caso os interesses desses grupos não estivessem tão voltados à criação de distrações imediatas e extremamente lucrativas.

Tendo em mente os critérios utilizados por Fernando Sabino para descrever o gênero crônica, podemos encontrar pelo menos um deles no texto de Luís Fernando Veríssimo: a observação aguda (no caso, de um fenômeno social). O autor estaria olhando para fora de si, analisando eventos que ocorrem cotidianamente e extraindo deles regras gerais, relações constantes entre eventos aparentemente não interligados. Pode-se, contudo, encontrar várias diferenças de conteúdo e estilo entre os autores, manifestadas em seus textos. A crônica de Sabino apresenta um clima comovente, que poderia terminar em melancolia, mas acaba num flash de grande beleza, enquanto Veríssimo utiliza-se de humor e acidez. O primeiro analisa três indivíduos, enquanto o segundo, mesmo através de um tom confessional, generaliza. Se a fórmula de Sabino para descrever uma crônica fosse rígida, inflexível, talvez tivéssemos que excluir o texto de Luís Fernando Veríssimo. Contudo, acredito que o gênero em questão não se esgota na descrição bem elaborada de Fernando Sabino, sendo generoso o bastante para aceitar características que, sem dúvida alguma, o enriquecem.

A última crônica

A última crônica

Fernando Sabino

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.

A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção de bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guará-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

Não às drogas


DIGA NÃO ÀS DROGAS!!!

Ao que tudo indica, texto falsamente imputado a Luís Fernando Veríssimo

(copiado de http://www.geocities.com/sociedadecultura/luizfernandoverissimonaodrogas.html)

Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou com aquele papo de "experimenta, depois, quando você quiser, é só parar..." e eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de "raiz", "natural" , da terra", que não fazia mal, e me deu um inofensivo disco do "Chitãozinho e Xororó" e em seguida um do "Leandro e Leonardo". Achei legal, coisa bem brasileira; mas a parada foi ficando mais pesada, o consumo cada vez mais freqüente, comecei a chamar todo mundo de "Amigo" e acabei comprando pela primeira vez.

Lembro que cheguei na loja e pedi: - Me dá um CD do Zezé de Camargo e Luciano. Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele me ofereceu um CD de Axé. Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa leve... "Banda Eva", "Cheiro de Amor", "Netinho", etc. Com o tempo, meu amigo foi oferecendo coisas piores: "É o Tchan", "Companhia do Pagode", "Asa de Águia" e muito mais. Após o uso contínuo eu já não queria mais saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer a bunda como eu nunca havia mexido antes, então, meu "amigo" me deu o que eu queria, um Cd do "Harmonia do Samba". Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, minha razão de existir. Eu pensava por ela, respirava por ela, vivia por ela! Mas, depois de muito tempo de consumo, a droga perde efeito, e você começa a querer cada vez mais, mais, mais . . . Comecei a freqüentar o submundo e correr atrás das paradas. Foi a partir daí que começou a minha decadência. Fui ao show de encontro dos grupos "Karametade" e "Só pra Contrariar", e até comprei a Caras que tinha o "Rodriguinho" na capa.

Quando dei por mim, já estava com o cabelo pintado de loiro, minha mão tinha crescido muito em função do pandeiro, meus polegares já não se mexiam por eu passar o tempo todo fazendo sinais de positivo. Não deu outra: entrei para um grupo de Pagode. Enquanto vários outros viciados cantavam uma "música" que não dizia nada, eu e mais 12 infelizes dançávamos alguns passinhos ensaiados, sorriamos fazíamos sinais combinados. Lembro-me de um dia quando entrei nas lojas Americanas e pedi a coletânea "As Melhores do Molejão". Foi terrível!! Eu já não pensava mais!! Meu senso crítico havia sido dissolvido pelas rimas "miseráveis" e letras pouco arrojadas. Meu cérebro estava travado, não pensava em mais nada. Mas a fase negra ainda estava por vir. Cheguei ao fundo do poço, no limiar da condição humana, quando comecei a escutar "Popozudas", "Bondes", "Tigrões", "Motinhas" e "Tapinhas". Comecei a ter delírios, a dizer coisas sem sentido. Quando saia a noite para as festas pedia tapas na cara e fazia gestos obscenos. Fui cercado por outros drogados, usuários das drogas mais estranhas; uns nobres queriam me mostrar o "caminho das pedras", outros extremistas preferiam o "caminho dos templos". Minha fraqueza era tanta que estive próximo de sucumbir aos radicais e ser dominado pela droga mais poderosa do mercado: a droga limpa.

Hoje estou internado em uma clínica. Meus verdadeiros amigos fizeram única coisa que poderiam ter feito por mim. Meu tratamento está sendo muito duro: doses cavalares de Rock, MPB, Progressivo e Blues. Mas o meu médico falou que é possível que tenham que recorrer ao Jazz e até mesmo a Mozart e Bach. Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se entregarem a esse tipo de droga. Os traficantes só pensam no dinheiro. Eles não se preocupam com a sua saúde, por isso tapam sua visão para as coisas boas e te oferecem drogas.

Se você não reagir, vai acabar drogado: alienado, inculto, manobrável, consumível, descartável e distante; vai perder as referências e definhar mentalmente.

Em vez de encher a cabeça com porcaria, pratique esportes e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte: Não ligue a TV no Domingo a tarde; Não escute nada que venha de Goiânia ou do Interior de São Paulo; Não entre em carros com adesivos "Fui ... "

Se te oferecerem um CD, procure saber se o suspeito foi ao programa da Hebe ou se apareceu no Sabadão do Gugu; Mulheres gritando histericamente é outro indício; Não compre nenhum CD que tenha mais de 6 pessoas na capa; Não vá a shows em que os suspeitos façam gestos ensaiados; Não compre nenhum CD que a capa tenha nuvens ao fundo; Não compre qualquer CD que tenha vendido mais de 1 milhão de cópias no Brasil; e Não escute nada que o autor não consiga uma concordância verbal mínima. Mas, principalmente, duvide de tudo e de todos. A vida é bela! Eu sei que você consegue! Diga não às drogas.

Falácias

É incrível como a Internet é a melhor invenção já criada para o espalhamento de boatos e inverdades. Vários escritores já foram vítimas de textos "seus" circulando indevidamente na Web. Posso citar, por exemplo, o Arnaldo Jabor e o Luís Fernando Veríssimo. O problema é tão sério que um desses textos surgiu numa disciplina de pós-graduação que freqüento e, para piorar, foi objeto de análise. Já pensou num bando de empolgados neo-analistas literários tecendo observações acerca do estilo do autor, seu humor, sua ironia, etc? Pois é, nossa época exige cuidados... Vou ver se consigo elencar alguns.

Primeiramente, quando alguém for pesquisar um determinado assunto, jamais saia por aí espalhando informações encontradas unicamente em sites como Wikipédia ou blogs de desconhecidos. Esses ambientes costumam conter informações imprecisas e até mesmo inverídicas, já que seus autores normalmente não possuem o rigor técnico necessário. Não estou dizendo para não consultar esses locais, mas sim que é uma boa prática buscar outras referências (tomando o cuidado para não pesquisar em páginas que simplesmente reproduzem o mesmo erro). No caso específico da Wikipédia, há que se ter ainda mais cautela, pois lá alguns erros parecem ser propositais, aparentes tentativas de induzir à desinformação e/ou versões baseadas em interesses incertos.

Segundo: quando receber um texto via e-mail ou coisa parecida, averigüe sua autoria em sites de busca, pois a polêmica se espalha rapidamente. Muito cuidado ao repassar informações autorais, pois você pode estar contribuindo para a disseminação de boatos e mentiras. Basta ver o caso acima de textos do Veríssimo ("Não às drogas") e do Jabor ("Bunda dura", ou algo assim).

Outro atitude importante é não passar para frente textos e mensagens de autoria duvidosa. Se não souber quem escreveu, não repasse. Outro dia recebi um e-mail com um texto escrito por Shakespeare, vejam só. Bastaram alguns instantes de pesquisa na Internet para verificar a inveracidade da mensagem. Há relatos de casos parecidos com os nomes de Borges, Pessoa e muitos outros.

Creio que essas três ressalvas de cautela são suficientes para que tomemos cuidado no repasse de informações, pois, se a Internet é uma poderosa ferramenta de disseminação de conhecimento, também pode ser uma perigosa armadilha na propagação de conteúdo falso, mesmo isto não sendo uma novidade, pois são famosos os casos de textos falsificados na mídia impressa (principalmente em entrevistas para jornais e revistas) e até mesmo em obras de referência, como enciclopédias. A eletrônica apenas ajuda a agilizar o processo.

O próximo post evidencia um caso bastante exemplar do que pode acontecer com informações de origem mal determinada.