domingo, 18 de novembro de 2007

Tim Maia, Nelson Motta, Faulkner e Shakespeare

Cara, lendo as duas primeiras postagens no blog me deu uma vontade danada de excluir minha conta e fingir que nada aconteceu! Mas não, não vou fazer isso. Sejam os textos bem ou mal escritos, importantes ou irrelevantes, continuarei a falar de alguns temas que considero interessantes e buscarei fazer algumas homenagens.

Bem, vamos ao que importa. Na postagem precedente fiz menção a uma entrevista que teve lugar em um famoso programa matinal. Tratava-se da passagem do Pedro Bial pela sala da Ana Maria Braga. Mal sabia eu, entretanto, que meu próximo tema seria derivado de outra entrevista realizada pela apresentadora. Na sexta-feira, um dia após o feriado de 15 de novembro, surge no estúdio o Nelson Motta, definido, segundo o site CliqueMusic (http://cliquemusic.uol.com.br), como letrista e escritor-jornalista-produtor-apresentador. Para suprir minha ignorância acerca de detalhes da vida profissional do entrevistado, visitei algumas páginas na Internet, inclusive a Wikipédia - aquela quase inesgotável fonte de conhecimento que as pessoas costumam utilizar sem lá muito critério, até mesmo certos incautos em trabalhos acadêmicos - e pude constatar sua parceria musical com pessoas como Dori Caymmi, Djavan, Lulu Santos e Marisa Monte. Não é o caso de comentar se admiro profundamente ou não suas músicas e parceiros, mas o fato é que ele já tem uma longa história e, pode-se afirmar, produziu alguns bons trabalhos. Feitas essas observações acerca de Nelson Motta, passemos ao motivo que o levou aos estúdios e que ocasionou a elaboração deste texto.

O Nelson Motta, sujeito bem-humorado, foi ao programa televisivo com o intuito de divulgar seu novo livro, uma biografia do Tim Maia. E foi justamente este o fato que me chamou a atenção, já que sou fã de longa data do falecido cantor. No momento em que escrevo, passaram-se quase dez anos da morte de Tim e creio ser muito interessante o surgimento de uma biografia elaborada por um amigo conhecedor de música. Um fato curioso é que o Nelson Motta afirmou ter esperado tanto tempo para publicar o livro devido ao elevado número de processos que o cantor possuía tramitando na justiça. Agora, com as pendências judiciais melhor resolvidas, o escritor sentiu-se à vontade para trazer à tona seu trabalho de pesquisa, que consumiu vários anos e o fez realizar inúmeras entrevistas, assim como uma prazerosa e, segundo ele, criteriosa audição de todos os discos. Resta, assim, comemorar o lançamento e partir para a leitura de "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia".

O título do livro é muito interessante, pois traz o nome de uma música do cantor, "Vale Tudo", em conjunto com o de um livro - "O Som e a Fúria", claro - do escritor estadunidense William Faulkner, um dos maiores autores do século XX, prêmio Nobel de Literatura em 1949. Por felicidade, e talvez não por acaso, possuo uma edição do referido livro em minha pequena biblioteca pessoal, publicado pela editora Cosac & Naify e traduzido por Paulo Henriques Britto, o qual narra a história da família Compson, um típico clã do "sul profundo" dos Estados Unidos, com algumas qualidades e muitas, também típicas, mazelas. Para refrescar minha memória, já que li o livro anos atrás e dele recordava apenas da estrutura narrativa e de passagens do enredo, enveredei por alguns sítios da grande rede, entre eles um da Universidade do Mississipi - no endereço http://www.mcsr.olemiss.edu/~egjbp/faulkner/faulkner.html -, organizado pelo Dr. John B. Padgett, e outro localizado no Portal Terra - em http://diversao.terra.com.br/interna/0,,OI310175-EI1538,00.html -, assinado por Paulo Sales, do Correio da Bahia. Neles, pude relembrar o nome das personagens responsáveis por narrar as diferentes partes deste inusitado livro.

Observando a orelha da minha edição de "O Som e a Fúria", assinada por Rubens Figueiredo, posso ler uma passagem de Shakespeare, enunciada por Macbeth, na qual este afirma que "a vida é uma história de som e fúria, contada por um idiota e que não significa nada", localizada na quinta cena do quinto ato. No original tem-se: "it is a tale / Told by an idiot, full of sound and fury, / Signifying nothing...". Essa passagem provavelmente inspirou o título do livro, sendo o idiota, neste caso, o narrador da primeira parte. Seu nome é Benjy, um dos irmãos da família Compson, sujeito adulto mas com idade mental de três anos. Obviamente, o tempo narrativo sob sua ótica é distorcido, causa e efeito são entidades não relacionadas e a leitura demora a fluir, ou mesmo não flui. A segunda parte é contada por Quentin Compson, estudante de Harvard, passando-se 18 anos antes da primeira e repleta de alusões ao relacionamento deste personagem com sua irmã, Caddy. O próximo narrador, mais um irmão, chama-se Jason, um sujeito egoísta e ambicioso. Os acontecimentos desta parte ocorrem um dia antes daqueles "narrados" por Benjy. O último narrador do livro possui um ponto de vista onisciente, sendo o foco concentrado em Dilsey, a empregada negra e matriarca da família Gibson, e na perseguição empreendida por Jason à sua sobrinha. Estes acontecimentos passam-se um dia após os devaneios iniciais de Benjy.

Assim, "O Som e a Fúria", considerado talvez a grande obra-prima de Faulkner, traz essa característica que sempre me atraiu: a inovação no processo narrativo. O escritor do Mississipi, no momento da concepção deste livro, estava isolado das editoras e completamente livre para expandir sua criatividade, para experimentar. Assim, pôde colocar palavras na boca de um alienado mental, pôde fragmentar o direito de contar em quatro partes distintas, pertencentes a diferentes sujeitos, utilizando estilo diversos, tempos bastante individualizados e recursos variados. Em muitos momentos pode-se perceber o que os teóricos chamam de fluxo de consciência - que seria um monólogo interior ou, roubando uma imagem do professor da PUC-RS, Gilberto Scarton, algo como uma câmera na cabeça da personagem -, o stream of consciousness, tão usado por Joyce. O pensamento do narrador paira livre, sem ordem pré-definida, isento de amarras, manifestando-se todas essas características também na construção das sentenças e na sintaxe. Lançando mão de todos esses recursos e de diversos outros, dos quais não me lembro ou simplesmente sou ignorante, Faulkner cria um texto que não pode ser chamado de simples, mas que é bastante inovador e, sem dúvida, merece ser lido.

Juro que não era minha intenção esta esticada toda, mas agora me lembro que comecei a escrever este texto porque gosto muito do Tim Maia. Gostaria de mencionar a minha crença em que opiniões podem mudar com o decorrer do tempo, sendo que, muitas vezes, a mudança ocorre para melhor. Digo isso porque, no princípio, não gostava das músicas dele, ou melhor, como ninguém em casa apreciava, acabei por seguir na mesma direção. Tudo mudou quando estava na faculdade, onde o pessoal o apreciava bastante, sendo seu som muito executado nas grandes festas do campus. Assim, passei a conhecer diversas canções e admirar sua sonoridade funk, ou soul, ou sei lá que outras denominações possa ter. Assim, já um conhecedor iniciante, faltava apenas um último passo para me tornar um ardoroso fã: um fita cassete. Exatamente, ganhei uma fita cassete - como isto soa velho em tempos de arquivos digitais! -, original, do Tim Maia e passei a escutá-la sempre, decorando suas músicas, até o total declínio do magnetismo. Deste modo, ao sair da faculdade, munido do bom presente, estava criado um vínculo indissolúvel entre suas canções e o prazer em meus ouvidos.

Um comentário:

Unknown disse...

A vida é feita de pequenos prazeres e grandes descobertas!
As tuas recordações assinalam pequenos prazeres, na seqüência tu colocas como conheceu Tim, entrelaçando o que há de inusitado entre o título da obra de Nelson Motta até chegar a Shakespeare.
Acho que Magister combina cotigo mesmo.