quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Origem inesperada

O preconceito é um problema sério. Os que são metidos a intelectuais, ou melhor, alguns caras afetados, intelectuais ou não - porção difícil de separar, como muitas outras -, acreditam que as fontes de sabedoria se encontram apenas em grandes livros - conceito este também bastante confuso - e em ilustres pensadores. Esses sujeitos, ou sujeitas, sendo politicamente correto - Putz! -, normalmente achariam praticamente impossível encontrar "pérolas" em populares programas televisivos. Pois foi exatamente isso que aconteceu comigo.

Vejam só, estava preguiçosamente, neste feriado do Deodoro, a esticar minha estada na cama assistindo ao jornal matinal, que é seguido pelo programa do papagaio Zé e da loira Maria Braga. Chamou-me a atenção o convidado, o Pedro Bial, sujeito instruído, de bom texto, falando sobre seu projeto de um quadro televisivo - "É Muita História" - em parceria com o historiador Eduardo Bueno. A matéria estava interessante e engraçada, mas o que me chamou a atenção foi uma frase do Bial - não sei se exatamente dele, pois sobre a originalidade existem muitas discussões... -, uma daquelas com as quais nos identificamos de pronto, daquelas cuja autoria gostaríamos de arrotar mundo afora. A transcrição, ipsis litteris, da sentença é: "Nunca é tarde para se ter uma infância feliz".

O Bial estava falando que sentia-se melhor aos 50 do que aos 20. Não sei se essa afirmação resistiria a uma análise que levasse em conta todos os aspectos físicos e intelectuais, mas em verdade vos digo (vão desculpando pelo tom profético): concordo com ele e tenho um sentimento muito semelhante. Admiro aqueles que têm saudades da infância, que ficam lembrando nostalgicamente dos tempos idos, que afirmam terem sido estes os melhores anos de suas vidas. Comigo, entretanto, não se dá o mesmo.

Tive uma infância simples, mas bastante feliz. Uma infância sem aquelas enormes privações decorrentes da miséria. Sempre fomos pobres, mas era uma pobreza digna. Assim, não atribuo a uma infância fracassada a minha predileção por meus dias atuais. Também a minha primeira juventude, durantes os anos de engenharia, foi bastante divertida, como deveriam ser esses anos para todos os que podem estar numa universidade. Acho, inclusive, que todo mundo deveria ter essa experiência. Veja você que estou falando de uma universidade legítima, e não simplesmente de uma faculdade isolada, fechada. Bem, esse é um assunto para depois...

Não posso atribuir, portanto, a uma juventude sofrida minha preferência pelo tempo presente. Apesar da liseira, diverti-me bastante, fiz amigos, aprendi muito e sobrevivi. Não, a causa não está em passados dolorosos. A verdade é que hoje me sinto melhor que nunca, pois as experiências enriquecem, aglutinam-se, criam corpo - sei lá que imagem usar, um grande lego sem propósito, talvez. Acredito que hoje aprendo mais facilmente, apesar de muitos estudiosos afirmarem que nossa capacidade diminui com o tempo, vejo as coisas com mais clareza e me conheço melhor. Bem, podeira continuar tecendo infindáveis e maçantes elucubrações, ficando o já não tão breve texto mais piegas que "My way", com Sinatra. Em resumo, é isso: sinto-me mais feliz e capaz hoje que no passado e espero que assim continue por um bom tempo. O único porém é essa ampulheta, a da contagem regressiva, a que, pelo menos, é de tempo indeterminado. Não fosse ela...

De todo modo, obrigado ao Bial pela "pérola" matinal e, para aqueles que quiserem, vejam só, buscar um grande livro de um ilustre pensador - parafraseando a mim mesmo - porque não folhear "Onde Encontrar a Sabedoria", do Harold Bloom. Posso afirmar, de antemão, que não se trata de auto-ajuda...

Um comentário:

Unknown disse...

Eu não posso dizer que foi um tímido começo e muito menos que se trata de desabafos juvenis. Você fala com um tom irônico, pinçado de informações inusitadas. Seu estilo revela suas descobertas e o prazer de dividi-las com quem o conhece. Agora, você poderá servir de referência para tantos outros, apreciadores ou não de literatura.