sábado, 27 de setembro de 2008

O "Poeta" em "O albatroz" e "Bendição", de Baudelaire, e "Poema de sete faces", de Drummond

O livro “As flores do mal” foi lançado em 1857, não tendo sido bem aceito e considerado ultrajante à moral vigente. O jornal Le Fígaro chegou a fazer-lhe fortes críticas e o autor ainda foi multado pela justiça francesa. Baudelaire, tradutor de Edgar Allan Poe, crítico literário e considerado precursor do movimento simbolista, nasceu em Paris, em 1821. Diz-se que foi influenciado, entre outros, por Poe e Gérard de Nervall (autor de Sylvie, livro analisado por Umberto Eco em “Seis passeios pelo bosque da ficção”), considerados representantes do chamado “romantismo negro”. Em contrapartida, mostra-se um crítico dos excessos sentimentalistas característicos dos escritores românticos. Baudelaire conheceu diversos escritores franceses, incluindo Balzac, e freqüentava a noite parisiense, incluindo o Club des Hashishins, o que certamente o ajudou na composição de outra obra, “Um comedor de ópio”, a última parte dos “Paraísos artificiais”.

Nos dois poemas aqui analisados, “O albatroz” e “Bendição”, ambos pertencentes ao livro “As flores do mal”, o signo “Poeta” aparece com diferentes conotações. Em “O albatroz”, o poeta é comparado ao “príncipe das alturas”, ou seja, à própria ave marinha. O pássaro, com seu vôo majestoso, em grandes altitudes, elegante em seus movimentos assemelha-se ao poeta no exercício de sua arte, alçando vôos com as palavras, os sentimentos e a imaginação. A ave, quando no solo, mostra-se desajeitada, deselegante, tal qual o artista em meio “à corja imunda”, ao populacho. No início de “Bendição”, o poeta surge em um “mundo enfadado”, com a sociedade a injuriá-lo, execrá-lo. Ele, o deserdado, pelo contrário, parece imune à maldade, sendo superior aos que o perseguem. Ainda assim, ele não é aceito pelos comuns; suas qualidades causam-lhes receio e repulsa. Em ambos os poemas transparece a incompreensão da sociedade e dos críticos acerca de sua obra. No primeiro, ele surge desajeitado, estranho, alvo de troça. No segundo, a despeito de sua atitude, é perseguido, ofendido e amaldiçoado.

Carlos Drummond de Andrade nasceu na pequena Itabira, em Minas Gerais, e essa origem manifesta-se freqüentemente na temática de sua obra e em seu estilo. Publicou o livro “Alguma poesia” no ano de 1930 e nele está presente o “Poema de Sete Faces”. Há quem diga que estas representariam diversas faces do autor e buscam explicações e exemplos a fim de embasar tal ponto de vista. O que se pode perceber, certamente, é que o poeta tímido, marginal em certo sentido - à parte da sociedade -, já se encontra presente nesses escritos. Alguns críticos descrevem essa etapa inicial da obra poética de Drummond como aquela em que ele é maior que o mundo, como se pode ver em “Mundo mundo vasto mundo / mais vasto é meu coração”.

No “Poema de sete faces” há algo de desígnio divino – demiúrgico -, algo de missão, na caracterização do poeta. Um “anjo torto” vem a ele e, nominalmente, profetiza sua posição entre os homens: ele será gauche, aquele que é diferente, estranho, lembrando o albatroz a caminhar. Nos versos seguintes, a situação de marginal se concretiza, denunciada pela posição de observador que ele assume. O poeta chega a falar com Deus, imitando Jesus, sentindo-se abandonado. Contudo, ele sabe que é especial, percebe-se como uma pessoa diferenciada e sente-se maior que o mundo. Expressa, ainda, uma imagem melancólica, mencionando a lua e o conhaque como companheiros, talvez confidentes. É interessante notar que o poema inicia-se com um anjo torto e termina com o vocábulo diabo.

O que parece haver de comum na definição de poeta nos três textos analisados é a condição de ser diferente, estranho, deslocado, que acompanha o artista. A sociedade o rejeita, faz pilhérias, o agride, coloca-o à parte, mas, ainda assim, ele se agiganta. Em “O albatroz”, ele voa alto; em “Bendição”, apresenta uma postura de superioridade; no “Poema de sete faces”, seu coração é maior que o mundo. Nos três casos, ele é marginalizado, porém superior aos que o rodeiam.

2 comentários:

João Ninguém disse...

Caro D.C.,

Nossos encontros estão cada vez mais raros devido aos compromissos de cada um... não longe "reviro" o teu blog, assim, parece que converso com você e consegui constatar que até o teu blog padece com a tal falta de tempo, pois observei que quase em sua universalidade tuas postagens são em finais de semana. Toda segunda abro este blog no anseio de novos textos iguais a este, geniais e claros.

Um grande abraço
Do Nairo R.

patricia disse...

Que interessante sua analise sobre a poesia Bendição,porque eu e minha amiga estávamos discutindo sobre..E estávamos tentando entender o recado do poeta...Mas partilhamos da mesma opinião em um ponto,que era a relação do poeta com a sociedade.Aprecio seu texto e obrigada por lançar um pouco de luz para minha compreensão.