sábado, 18 de abril de 2009

GERAÇÃO BEAT E MÚSICA


1. Introdução

A ligação entre a chamada geração beat da literatura norte-americana e a música é muito forte. Lendo aquele que é considerado o mais emblemático de seus livros, On the road, de Jack Kerouac, é possível perceber a importância da música na composição da história e também na vida das personagens. Dean Moriarty e Sal Paradise, os protagonistas da obra, atravessam os Estados Unidos de fins da década de 1940 e início da de 1950 bebendo, usando drogas e freqüentando bares fervilhantes, repletos de alucinados músicos de jazz e com uma platéia sedenta de vida.

A trilha sonora que acompanha as personagens de On the road é, essencialmente, o jazz, principalmente o bebop – ou simplesmente bop –, cujos principais expoentes são Charlie Parker, Dizzie Gillespie e Thelonius Monk. Além desse estilo musical, também são mencionados o blues e alguns ritmos latinos, como o mambo. Deve-se ressaltar que o rock-and-roll é posterior à geração beat, tendo seu início bastante influenciado por alguns de seus escritores. Figuras importantes da cena musical dos anos 60 do século XX, como Bob Dylan e as bandas The Doors, Grateful Dead, Beatles e Pink Floyd tiveram, pelo menos no início, forte influência de Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs, dentre outros.

2. Influência do jazz

Em meados da década de 1930, o gênero predominante era o swing e um dos seus centros, Kansas City – cidade caracterizada por um estilo mais leve e descontraído que o de Nova York. Entre os músicos importantes desse cenário pode-se mencionar Count Basie e Lester Young. É tão forte a presença desses artistas para Kerouac que alguns personagens de On the road vão a um show de Young. O ano de 1945 pode ser considerado como o de início do bebop, o qual se tornou o ritmo musical mais inovador e influente do final dos anos 40 e do início da década seguinte. Ao contrário do swing, caracterizado por seu estilo dançante, o bebop chocava “com seus improvisos frenéticos e angulosos os fãs mais tradicionais” (Calado, pg. 23). Esses improvisos frenéticos, executados por músicos como Charlie Parker e Dizzie Gillespie, influenciaram fortemente escritores da geração beat, como Kerouac. Como menciona, de modo feliz, Eduardo Bueno – acerca do estilo do escritor franco-canadense – em sua introdução à edição de On the road da editora L&PM

Seu plano era deixar a própria personagem expressar-se livremente, entregando-se à descrição detalhista da paisagem suburbana (e underground) americana, numa versão tardia (mas pré-pop) da escrita automática dos surrealistas, um stream of conciousness (ou fluxo de consciência) mais facilmente compreensível por quem desfrutou de alucinógenos como maconha, mescalina e peiote (Kerouac, pg. 16).

Assim, esses solos executados pelos mestres do bop podem ser colocados em paralelo com a chamada “prosa espontânea” que Kerouac tentou desenvolver. Eduardo Bueno classifica o estilo beat como “laudatório, verborrágico, impressionista, vertiginoso, incontido, ‘espontâneo’, repleto de sonoridade, de gíria, de coloquialismo e de aliterações”. Ainda segundo Bueno, Kerouac “tentava fazer com que suas frases soassem como um solo de sax de Charlie Parker”, ao som do qual teria escrito On the road vertiginosamente, em um rolo contínuo de papel com 40 metros de comprimento, estimulado por grandes doses de benzedrina. Outro aspecto que aproxima escritores beat e alguns expoentes do bebop, como Parker, era o uso intensivo de drogas.

Não é apenas a semelhança entre o bebop e a prosa utilizada em On the road que denota a influencia do jazz no livro. Outro aspecto importante é o próprio ambiente que envolve as personagens, bem como suas aspirações e modo de vida. Dean e Sal vêm e vão pelas estradas norte-americanas em busca de emoção, de sentido existencial. Um dos mais importantes elementos nessa busca, além das mulheres e de estimulantes, é a música. O jazz os guia, aparece nos carros, nos bares que freqüentam, nas jukieboxes que surgem pelo caminho. O ritmo é um componente formador da obra literária, não apenas um acessório. O meio cultural influenciador do bop é o mesmo que criou seres como os protagonistas do livro. O comportamento e os anseios dos músicos são muito parecidos com o das personagens, criadas à semelhança de pessoas reais, como o próprio Kerouac (Salvatore Paradise) e seu amigo Neal Cassady (Dean Moriarty). O estilo frenético, não planejado, do bebop lembra bastante a inquietação juvenil e a sede de vida existente em Sal, Dean e seus amigos. Uma América diferente daquela preconizada pela cultura dominante do pós-guerra – pacata, feliz e ansiosa por brinquedos tecnológicos, como carros e eletrodomésticos – caracterizava tanto a cena jazzística quanto o modo de vida das personagens de On the road. A maioria dos grandes músicos de jazz é negra, de origem modesta, e a juventude descrita no livro se rebela contra o vazio gerado pelo american way of life, criado por uma elite branca. Eles buscam viver intensamente, preconizando a liberação sexual, fazendo uso intensivo de “estimulantes” – como maconha, benzedrina, morfina e álcool – e evitando vínculos profissionais e sentimentais duradouros.

Vale ainda ressaltar a aula de história do Jazz apresentada por Kerouac, com seu estilo solto e verborrágico, nas páginas de On the road

Outrora fora Louis Armstrong, mandando ver nos lamaçais de Nova Orleans; antes dele, os músicos loucos que entravam nas paradas, aos feriados, e desfaziam as marchas marciais transformando-as em ragtime. Surgiu então o swing e Roy Eldridge, vigoroso e viril, quase rebentando seu trompete ao arrancar dele sonoras ondas de poder, lógica e sutileza – inclinado, com os olhos radiantes e um sorriso encantador –, irradiando-as, para fazer gingar todo mundo do jazz. Chega então a vez de Charlie Parker entrar em cena, ele era apenas um garoto no casebre de madeira de sua mãe em Kansas City soprando seu sax-alto todo remendado, entre as tábuas, praticando nos dias de chuva, fugindo vez ou outra para assistir à banda do velho Basie e de Benny Moten, [...] e então Charlie Parker saiu de casa e foi para o Harlem encontrar o louco Thelonius Monk e Gillespie, mais louco ainda... (Kerouac, pg. 293, 294).

3. Influenciando as décadas seguintes

Se os escritores da geração beat estão fortemente ligados ao jazz, também é possível afirmar que eles influenciaram os movimentos musicais posteriores, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Bandas como Pink Floyd surgiram de clubes como o UFO, em Londres, visitado por Ginsberg. Um álbum falado em homenagem a Kerouac, chamado Kicks Joy Darkness, contou com a performance de artistas como Steve Tyler, do Aerosmith, Michael Stipe, do REM, e Joe Strummer, do Clash. A banda King Crimson gravou uma disco chamado Beat com músicas como Neal and Jack and me e Satori in Tangier. Lendas do rock, como Bob Dylan e Jim Morrison afirmaram ter sido muito influenciados pela leitura de On the road. Enfim, são inúmeros os legados deixados pela geração beat para os músicos dos anos 1960 e 70, principalmente.

A relação entre os escritores beat e músicos pode ser estendida ainda mais. Num rápido acesso à Internet é possível ver relações entre Ginsberg, Bob Dylan e Beatles. Michael McClure foi amigo de membros do The Doors. Cassady foi membro da banda Ken Kesey’s Merry Pranksters, um grupo que incluiu membros do Grateful Dead. Aliás, é famosíssima sua participação no ônibus mais louco da história, em que Cassady e integrantes dessas bandas percorreram os Estados Unidos realizando performances musicais e distribuindo LSD. Entre os amigos de Burroughs estão Mick Jagger, dos Stones, e Lou Reed, do Velvet Underground. Ginsberg trabalhou com o Clash, Burroughs com Sonic Youth, REM, Kurt Cobain e Ministry. Bono Vox do U2 cita Burroughs como uma grande influência. Como se pode perceber, as ligações são inúmeras, o que demonstra a força da geração Beat na música da segunda metade do século XX.

Eduardo Bueno corrobora as ligações entre os beats e o rock encontradas na grande rede

A questão é que tal geração se multiplicou em muitas. Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Kerouac em Lowell, Massachussets, como o próprio pai fizera, vinte anos antes [...].

Na verdade, se a explosão hippie dos anos 1960 for interpretada como uma conseqüência indireta de On the road – o que não constitui um exagero –, nenhum livro deste século terá deflagrado uma revolução comportamental maior do que a obra de Kerouac (Kerouac, pg. 293, 294).

A fim de acentuar a importância cultural dos escritores beat, é válido lembrar das incursões de Ginsberg em eventos, festivais e outras apresentações, lendo seus poemas e demonstrando, ao lado de Timothy Leary, os benefícios do LSD. Pode-se citar, ainda, as viagens do escritor para a Inglaterra e o trabalho com bandas como o Clash, um ícone do movimento Punk.

4. Conclusão

Como foi possível perceber, a ligação entre os escritores da geração beat e a música – tanto a que veio antes, quanto a posterior a seus trabalhos – é visceral. Poesia e prosa inspiradas pelo jazz, uma sociedade baseada nas idéias do mundo do jazz, eram características comuns de vários autores desse grupo. A rebeldia e o desejo de viver longe da monotonia da sociedade americana do pós-guerra são emblemas desses artistas que inspiraram várias gerações de músicos nas décadas seguintes. O rock e o pop pagaram grandes tributos a esses autores, tão importantes para formar o ideário jovem da revolução comportamental da segunda metade do século XX.

5. Bibliografia

KEROUAC, Jack. On the road (Pé na estrada). Porto Alegre: L&PM, 2004.

CALADO, Carlos. Charlie Parker. Rio de Janeiro: MEDIAFashion, 2007.

WIKIPEDIA. http://en.wikipedia.org/wiki/Beat_Generation.

LITERARY KICKS. http://www.litkicks.com/Jazz/.

MUNDOCLASICO. http://www.mundoclasico.com/2009/documentos/doc-ver.aspx?id=ec40f7d5-2ae5-477d-bcc1-bf3be02c5402.

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