domingo, 2 de março de 2008

Brasilianos e o ócio criativo

Há tempos tive vontade de ler "O ócio criativo" de Domenico De Masi. Um dia desses, passando por uma livraria, encontrei um exemplar em exposição e, como compulsivo por livros, adquiri o mesmo. Achei sua leitura bastante interessante, encontrando passagens com as quais sempre concordei, mas nunca havia visto impressas. Outro dia, lendo uma dessas execráveis revistas semanais numa sala de espera de consultório médico, deparei-me com um artigo de um dessas pessoas alienadas e iludidas pelo universo corporativo - Stephen Kanitz - e minha relação de cumplicidade com o ócio criativo aumentou ainda mais.

Como já há muito tempo percebi que as novas informações importantes chegam a mim sempre duas vezes, separadas entre si por um pequeno lapso de tempo, gostaria de explicar o que o Kanitz tem realmente a ver com o ócio criativo e com este relato.

Numa quarta-feira à noite, assistindo a uma aula de português - como muitos em meu país, buscando trabalhar no serviço público - vi minha professora - uma doce e competente vovó sulista - comentando um artigo cujo autor fazia referência ao fato de sermos denominados brasileiros e não brasilianos. De acordo com os argumentos que ouvi dela, e que poucos dias depois li no artigo do próprio Kanitz - vindo daí minha observação acerca dos eventos que vêm aos pares -, o defensor da idéia, deveríamos ser chamados de brasilianos, tal como acontece, em nosso idioma, com os italianos, os iranianos e os bolivianos. Pelo que me lembro do texto, somos chamados de brasileiros desde o início de nossa colonização por Portugal, sendo esse termo utilizado para referir-se àqueles que vinham às nossas terras explorar as riquezas e depois retornavam à metrópole, deixando apenas destruição e nada em troca.

Assim, Kanitz defende a idéia de que apenas os exploradores - no mau sentido - do Brasil, aqueles que desejam apenas auferir benefícios sem pensar na coletividade e no desenvolvimento da nação, deveriam ser denominados brasileiros. Os outros, os legítimos cidadãos, preocupados com o país, dotados de integridade, de força laboral e de compromisso com um futuro melhor para todos, seriam os brasilianos, entre os quais o autor se incluía.

É óbvio que concordei, de pronto, com os argumentos da professora e, depois de ler o texto, com as explicações mais elaboradas do mesmo. Passei a querer denominar-me, desde então, brasiliano, decisão da qual não me arrependi, pelo contrário, acho que isso deveria ser levado realmente a sério e colocada a questão em debate nacional, substituindo tantos outros colóquios, que geralmente versam sobre temas muito menos pertinentes.

Mas o que tem a ver todo esse papo de brasilianidade, da professora de português e do Stephen Kanitz com o ócio criativo do De Masi? Bem, sentado na sala de espera da clínica, lia com bastante interesse o artigo da malfadada revista, concordava com o que via, mas, num determinado momento - desses que apenas reforçam minha constatação de que as novidades chegam-me aos pares -, percebi uma crítica de Kanitz a De Masi. O autor falava que brasileiro gostava de "O ócio criativo", livro mais conhecido, aqui no Brasil, com as idéias do sociólogo italiano. Deste modo, compactuar com as idéias de De Masi representava uma falta, talvez tão grave quanto ser corrupto. Talvez Kanitz não tenha lido o livro, ou não tenha entendido do que se tratava, ou então está muito velho e condicionado a um mundo antigo a ponto de não perceber o equívoco de seu posicionamento.

De Masi fala da sociedade pós-industrial, tema recorrente no livro, e de várias características importantes da mesma. Discorre sobre o teletrabalho; sobre a altamente recomendável redução no número de horas trabalhadas por semana; fala da necessidade de criar meios para o bom aproveitamento do tempo livre; trata da evolução quantitativa do trabalho de tipo intelectual-criativo e da concomitante redução de importância daquele de caráter mecânico, que requer pouca ou nenhuma qualificação; o sociólogo critica, ainda, a rigidez das empresas, dos governos e dos sindicatos, bem como a demora em perceber as mudanças em curso, principalmente o fato de que os empregos jamais crescerão numa velocidade grande o bastante para abarcar o aumento da população, tendo em vista a constante automação. Assim, não importa o que digam governantes e empresários, a auto-sustentabilidade do crescimento econômico e os grandes investimentos que vemos acontecer - quer dizer, que nem sempre vemos acontecer - nunca serão suficientes para proporcionar trabalho a todos, a menos que importantes mudanças legislativas ocorram.

Assim, apesar de achar que De Masi de vez em quando exagera nas previsões e mostra falta de domínio acerca de alguns temas, acredito que muito do que ele diz é acertado, que no futuro trabalharemos bem menos - em quantidade de horas e dias da semana -, sem prejuízo para a produtividade - conceito tão caro ao pessoal da gestão -, que teremos de aprender mecanismos para aproveitar o tempo ocioso e que o trabalho exigirá cada vez mais conhecimento e criatividade. Deste modo, acho equivocada a posição de Kanitz, rebaixando aqueles que se identificam com "O ócio criativo" ao grupo dos chamados brasileiros.

Acredito, ao contrário, ser um brasiliano. Sou otimista quanto ao futuro da humanidade e acho que menos trabalho, mais lazer, mais conhecimento e criatividade serão algumas das características dos melhores tempos que virão.

Um comentário:

Unknown disse...

Espero que o ócio criativo faça brevemente parte da nossa cultura, "Nossa querida for do Lácio inculta e bela."