domingo, 30 de novembro de 2008

No Centro 2 - Shalom Ramone

The KKK took my baby away, they took her away, away from me... Essa era a voz disforme, desafinada, numa dicção terrível, que, durante anos, tanto marcou uma hora semanal daquela rádio dentro da caixa d'água.

Era assim que Jeffrey Ross Hyman cantava. Do alto dos seus aproximados dois metros, pernas finas e zambetas, com o corpo lembrando uma jibóia grávida, sua voz distorcida marcou a história do rock numa das bandas mais importantes que já existiram, pertencente a um estilo no qual a técnica não primava - muito pelo contrário -, em que poucos acordes eram o bastante e que a atitude e a diversão eram o principal. Bem, mais recentemente descobri que tudo terminou apenas em nome do dinheiro e dos compromissos empresariais, mas prefiro lembrar de outra forma...

Era ele, Joey Ramone, quem eu ouvia cantar, no início e no final de cada broadcast do Rock Mobral. Eu e meu amigo DJ Cirrose, na verdade - além dos convidados e convidadas que apareciam de vez em quando, todos habitués do Bar do Jair, onde costumávamos tomar cerveja, rabo de galo e caracu, comendo torresmos, pão com mortadela e ovos de codorna.

O programa costumava começar e terminar sempre com uma música dos Ramones. Tocamos muitas vezes Rock and Roll High School, Pet Sematary, Chain Saw, Blitzkrieg Bop, Comando (também com os Ratos de Porão), Sheena Is a Punk Rocker, etc. É verdade que às vezes abríamos uma exceção e fechávamos nossa hora com Orgasmatron, tocada pelo Sepultura.

Nossa ligação com a banda novaiorquina chegou ao seu ápice quando assistimos a um show deles no Olympia, em São Paulo. Lembro que o DJ Cirrose portava uma jaqueta de couro preta que o fez cozinhar durante a apresentação, tendo ele de ir ao banheiro várias vezes. Recordo-me também de que mal conseguíamos por os pés no chão, de tão lotado que estava o lugar. Era impossível não ir de lá para cá, pois a multidão se movia com um ser que possuía vida própria, arrastando suas células de um canto para outro. Para respirar, eu, que não sou muito baixo, tinha que botar o nariz para cima na busca de um pouco de oxigênio. Ao final, retornamos para nossa cidade na mesma Caravan branca - de motor refeito - em que viemos.

Passados tanto anos desde aquela época, a recordação dos Ramones surgiu num desses DVDs baratos que compramos nas Americanas. Nele pude ver um pouco do cotidiano do grupo e os bastidores de alguns shows. Lá estavam componentes fundadores, como o Dee Dee Ramone, e outros integrantes posteriores, como o CJ Ramone. A lembrança que este DVD vai deixar para sempre em minha memória não é a dos shows, nem das músicas ou dos lugares visitados pela banda, mas a de uma desilusão.

Jamais me esquecerei de que John William Cummins, mais conhecido como Johnny Ramone, e o Joey Ramone passaram os últimos anos da banda sem praticamente trocarem uma palavra. Critiquem-me por minha ingenuidade, mas isto nunca passou por minha cabeça. Imaginar que aquela banda, com seu som irreverente, letras engraçadas, visual despojado, havia terminado de modo tão melancólico - com seus componentes detestando-se, ou apenas sentindo um pelo outro uma profunda indiferença -, era inconcebível para mim. Lá havia também a informação de que essa aparência despojada do grupo - jaqueta preta, calças jeans surradas e tênis velhos - era controlada rigidamente pelo Johnny, sendo impensável qualquer alteração.

Segundo diversas fontes consultadas - sentença esta muito útil para aqueles momentos em que não se está com saco para citar as referências -, vários foram os fatores causadores da briga entre Joey e Johnny. Um deles seria a diferença de posicionamento político. Johnny era republicano, conservador, simpatizava com Reagan e apoiou a guerra contra o Iraque (a do Bush pai). Joey, em contrapartida, teria uma posição oposta. Dizem também que Johnny "roubou" uma namorada do Joey, e isto é difícil de perdoar - acredito ser este um um motivo mais sólido.

As mesmas fontes que falam em causa passional para a contenda, mencionam que a música The KKK took my baby away foi escrita por Joey como um desabafo à sua perda amorosa. Não é preciso ser um gênio para imaginar quem estaria representando a Ku Klux Klan na canção...

Hoje, caminho pelo centro de Fortaleza. Cidade ensolarada, quente porém com uma brisa marinha apaziguadora. Suas ruas centrais são antigas, estreitas, algumas ainda com calçamento. Caminho cedo, antes das sete da manhã. Vou ao trabalho, estaciono o carro numa vaga particular - não é muito recomendável deixá-lo todos os dias na rua. Seguro minha pasta com a mão direita, está um pouco pesada, como sempre, pois costumo carregar mais coisas do que é necessário. Reconheço alguns transeuntes e moradores das casas. Não falo com eles, pois cada um anda ensimesmado. Os freqüentadores dos bares também são os mesmos, assim como os mendigos, que dormem pelas calçadas, ao desamparo. Não é o mais belo dos lugares, mas me é familiar.

Na rua estreita, poucos carros trafegam àquela hora, sendo possível caminhar à pé no meio da pista. Escolho a calçada de sempre - por ter um piso melhor. Aliás, nossa cidade é quase desprovida de calçadas, ocupadas que são - quando existem - por vendedores de todos os tipos. Enfim, caminho do meu lado predileto da rua. Vejo passar uma garota bonita - essa é a primeira vez que a encontro. Desvio de um pai segurando a mão de sua filhinha à caminho da escola. Evito a colisão com um poste e tento não pisar em alguns excrementos. À minha frente surge, então, uma criatura sui generis, que de vez em quando passa por mim a caminho do trabalho - penso eu.

Trata-se de um sujeito de estatura mediana cearense - quer dizer, para sua geração, que tem mais de quarenta, já que os jovens são bem mais altos. É magro, moreno, sem muitos cabelos - não chegando a ser calvo -, usa um bigodinho que, no passado, costumava chamar de "safado" e - o que me chamou a atenção desde a primeira vez que o vi - costuma vestir uma camiseta dos Ramones.

Bem, até aí nada de mais. Não é de se estranhar encontrar alguém usando uma camiseta de rock em Fortaleza. Quero dizer, também não chega a ser muito freqüente. Mas o que despertou minha curiosidade é o tipo em questão. Meu pre-conceito nunca me permitiria imaginar um sujeito daqueles vestindo uma camisa dos Ramones. Ele, definitivamente, não me parece o tipo certo. Vejam só, eu falando de tipos... Juro que, da primeira vez que o vi, pensei que a camisa tinha sido dada por alguém e que ele a usava por falta de opção - igual àquelas camisas de eleição, que vão todas para os mais pobres. Contudo, demonstrando meu equívoco, esbarrei com ele outras vezes pela rua, e o sujeito tinha uma verdadeira coleção. Assim, tive que rever minha opinião e comecei a considerá-lo como um fã.

Devo dizer, entretando, que existe um atenuante para a minha culpa. Um fator que ameniza um pouco o meu juízo preconceituoso acerca de sua aparência, mas que, por outro lado, exacerba uma forma diferente de preconceito. Num primeiro momento, julguei que alguém com aquelas características não poderia conhecer nem gostar dos Ramones, principalmente por um detalhe em especial: o cara andava com uma cruz do Shalom pendurada no pescoço.

Naquela manhã, quando o observei pela primeira vez, notei dois símbolos conflitantes - ao menos para mim - estampados no peito do sujeito. Uma camiseta de uma banda punk e a cruz representativa de um grupo carismático da igreja católica. O que poderia haver unido, numa única personalidade, duas idéias tão distintas? Para mim, o punk tinha aquele significado anti-religioso, anárquico, debochado, enquanto que o movimento carismático representava uma aproximação dos católicos com algumas das práticas dos evangélicos. Juntar tudo isso num ideal só me parecia, no mínimo, incongruente.

Quando notei que não era coincidência, que a cruz e o punk estavam sempre presentes, percebi que realmente tudo era intencional. Qual seria, então, a explicação? Talvez não haja nenhuma, pois o ser humano não precisa ser explicado, mas a mente curiosa não se contenta com esse tipo de abordagem, querendo sempre construir idéias onde talvez realmente não haja nada a ser compreendido.

Já que uma explicação se tornou inevitável, vou culpar o vilão mais à mão: a sociedade de massas. Eu tinha uma imagem dos Ramones totalmente distinta daquela que me foi mostrada no referido DVD que comprei. Assistindo-o, pude notar que o fator unificador da banda, o que os mantinha juntos - pelo menos no final -, era o dinheiro e um certo comodismo - do tipo que adia a aposentadoria daqueles que não sabem o que fazer depois de uma vida de trabalho. Onde eu julgava haver diversão e amizade, existia frieza e esforço profissional. Até mesmo as roupas deles tinham um caráter intencional, a fim de manter uma marca registrada. Deste modo, os meios de comunicação de massa criam ilusões que nos captam como armadilhas.

Da mesma forma que eu me iludi com a imagem dos Ramones criada pelos mass media, o sujeito da camiseta talvez nem saiba nada disso. Ou se sabe, releva, pois talvez seja mais inteligente que eu e entenda que, não importando a verdade dos fatos, a explicação racional, o que vale é apreciar o momento e recordar o que é bom. Assim, se para ele o som dos Ramones sempre agradou e se ele viveu bons momentos embalado pela voz de Joey, então não há razão para desgosto. Deixe esse tipo de observação para os mais azedos, como este que escreve.

Se os Ramones são apenas música, e não aqueles que as criaram - o que não deixa de ser verdade, pois a obra pode ser isolada de quem a cria, passando a ter existência própria -, então ele está certo. Não importam as idéias, os fatos históricos e nenhum outro tipo de bobagem intelectual. Apreciemos, então, os acordes simples. Que seja possível a convivência entre a música, enquanto música apenas, e qualquer tipo de filosofia ou crença. Que os preconceituosos, como aquele que observou o cara de bigode, se danem. Que seja bem-vindo até um novo integrante: apresento-lhes o Shalom Ramone. Hey ho, let's go.

Jaguadarte

Lembro-me de um colega de faculdade, o Shimaba, um cara gente boa: japonês com visual meio punk, cabelo espetado, fala engraçada e estudante de física na área de raios cósmicos (vê que estranho!). Ele foi um aluno, até onde sei, brilhante (já estava terminando o mestrado em matemática enquanto eu ainda pelejava na graduação - e entramos na mesma época), mas nem por isso deixava de fazer tudo o que gostava: era fanático por rock and roll e fazia parte de uma banda bastante barulhenta, cujo nome, salvo engano, era "Quasímodo Traça Jaguadarte".

Nessa altura do campeonato, não sei se o nome era exatamente esse, mas, de hoje em diante, passa a ser, pois é assim que ficou registrado em minha memória e deve haver um bom motivo para isso. Bem, dá para imaginar que esse nome sempre despertou minha curiosidade mas, por incrível que pareça, nunca fiz a pergunta mais clichê que existe para alguém que tem uma banda: "De onde surgiu o nome?". Na verdade, esse é o tipo de pergunta intrigante que jamais me dei ao trabalho de responder, pois às vezes os mistérios dos nomes são mais interessantes que as respostas. Assim sendo, naquela época fiquei achando o nome engraçado e apenas isso.

"Quasímodo Traça Jaguadarte"... Bem, vamos ver que tipo de interpretação essas palavras despertam em mim. O Quasímodo todos nós conhecemos, apesar que nem sempre pelo seu nome verdadeiro. Ele é o corcunda que habitava a Catedral de Notre Dame no livro de Victor Hugo. Era um sujeito que, devido à sua deformidade, vivia isolado do convívio humano. Já o Jaguadarte, após uma aula na faculdade, descobri ser um personagem de Lewis Carrol no livro Alice no País do(s) Espelho(s). Tenho a impressão que já havia pesquisado isto antes na Internet, mas devo ter esquecido quase no mesmo instante.

Na história de Alice, traduzida - ou transportada para o português - por Augusto de Campos, o Jaguadarte era um monstro que andava apavorando o pessoal daquele lugar e acabou morto por um guerreiro e sua espada. O interessante seria imaginar esse guerreiro como sendo Quasímodo. É o oposto do que temos em mente ao lermos uma história de cavalaria. Normalmente o herói é forte, faz sucesso com as mulheres e tudo o mais. Neste caso, o matador de monstros seria um pária deformado e não um Siegfried ungido pelos deuses. É, no mínimo, uma abordagem irônica e, com certeza, mais condizente com a nossa época.

Nunca perguntei o significado do nome da banda e talvez jamais ouça a explicação da boca de algum de seus componentes, mas estou satisfeito com a imagem que ela me desperta e, após tantos anos, acho que isso me basta.

A propósito, existe um ensaio interessante sobre tradução (escrito por Tatiana F. Rodrigues) utilizando justamente a transposição de Jabberwocky para Jaguadarte, realizada por Augusto de Campos, em http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=946.



Jabberwocky

`Twas brillig, and the slithy toves

Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

"Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun

The frumious Bandersnatch!"

He took his vorpal sword in hand:

Long time the manxome foe he sought --
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

"And, has thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!'
He chortled in his joy.

`Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.


Lewis Carroll
[from Through the Looking-Glass and What Alice Found There, 1872]



JAGUADARTE


Era briluz. As lesmolisas touvas

roldavam e reviam nos gramilvos.

Estavam mimsicais as pintalouvas,

E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!

Garra que agarra, bocarra que urra!

Foge da ave Fefel, meu filho,

e corre do frumioso Babassura!”

Ele arrancou sua espada vorpal

e foi atrás do inimigo do Homundo.

Na árvore Tamtam ele afinal

Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,

Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,

Sorrelfiflando atraves da floresta,

E burbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta

Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!

Cabeça fere, corta e, fera morta,

Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!

Vem aos meus braços, homenino meu!

Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"

Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas

Roldavam e relviam nos gramilvos.

Estavam mimsicais as pintalouvas,

E os momirratos davam grilvos.

Lewis Carroll

[tradução Augusto de Campos]

domingo, 16 de novembro de 2008

A katharsis em "A metamorfose" de Franz Kafka


INTRODUÇÃO

É, sem dúvida, uma tarefa bastante desafiadora refletir acerca de um fenômeno há tantos séculos conhecido, mas, ao mesmo tempo, tão repleto de nuances e interpretações divergentes quanto a katharsis. Além disso, a responsabilidade torna-se ainda maior quando o objeto de estudo é uma das obras fundamentais de um dos escritores mais importantes do século XX – de acordo com pessoas tão díspares quanto Harold Bloom e Jorge Luís Borges. Trata-se, assim, de analisar a katharsis no livro “A Metamorfose”, de Franz Kafka, escrito no alvorecer da Primeira Guerra Mundial – se é possível falar de um alvorecer tão negro –, época em que o ser humano vivia cercado de incertezas e de forças opressoras. Existiria alguma semelhança com o início do século XXI?


AS VÁRIAS ABORDAGENS DO FENÔMENO KATHARSIS

Na poética de Aristóteles

É recorrente a referência ao famoso capítulo VI da “Poética” de Aristóteles, onde o filósofo grego menciona a catarse provocada no público pela apresentação das tragédias:

É a tragédia a representação de uma ação grave, de alguma extensão e completa, em linguagem exornada, cada parte com o seu atavio adequado, com atores agindo, não narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a catarse própria dessas emoções. (Aristóteles, 1997, pg. 24)

Assim, Aristóteles enuncia a clássica definição do modo pelo qual a tragédia opera uma reação catártica em seu público: pela inspiração de pena e temor. O receptor do fenômeno estético se envolveria com a trama e seus eventos, sofrendo alterações – ao final do espetáculo ou da leitura do texto –, em relação ao seu estado inicial. Que mudanças são essas? Quais as conseqüências da exposição do público à tragédia? Que transformações poderiam advir das percepções individuais? São questões ainda abertas e abordadas por diversos teóricos.

Górgias

O sofista siciliano Górgias – século V a.C. – foi uma figura de bastante prestígio na Grécia antiga devido à sua eloqüência, chegando até mesmo a fundar uma escola de sucesso em Atenas. Enquanto Aristóteles refletia acerca da liberação da psique ocorrida no público das tragédias, influenciando no estado de ânimo da platéia, Górgias preocupava-se com a “preparação do ouvinte” de um discurso e com o esforço necessário para o convencimento – já que se tratava de um mestre da retórica –, atingido através do pathos, jogo com as paixões, e do ethos, a credibilidade depositada no orador. Górgias explica que “o prazer estético dos afetos provocados pelo discurso” pode ocasionar, através do fenômeno catártico, mudanças de crença, influência em processos judiciais e alterações na alma.

Jauss

Hans Robert Jauss, teórico alemão da estética da recepção, em seu artigo “O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis”, faz um extenso levantamento teórico acerca do prazer estético, coletando impressões e contribuições de diversos estudiosos, indo de Aristóteles e Górgias até Freud, Giesz e Blumenberg, entre outros. Sobre os dois filósofos antigos, houve uma ligeira menção nos tópicos anteriores. Quanto aos mais recentes, existem algumas observações a serem realizadas.

De acordo com o artigo de Nathalia Sá Cavalcante, “Considerações a respeito do ‘prazer estético’ para Hans R. Jauss”, Ludwig Giesz não aceitaria a contemplação distanciada do objeto de prazer, sendo, para ele, o fruidor um co-produtor do referido objeto. Assim, o prazer estético se realizaria na “relação dialética do prazer de si no prazer do outro”, no sentido de participação e apropriação, oscilando o agente receptor entre “uma contemplação desinteressada e uma participação emancipadora”.

Hans Blumenberg trata da existência de prazer estético diante do feio, do terrível, do cruel e do disforme que, em princípio, seriam incapazes de produzir uma relação de prazer. Esse fenômeno ocorre devido ao distanciamento do sujeito, o qual se percebe como não afetado e consegue fruir a emoção trágica sem vivenciá-la pessoalmente, mas através de sua representação artística.

Freud fala da “necessidade antropológica do herói”, onde leitores ou espectadores podem imaginar-se importantes, entregar-se a emoções recalcadas, as quais seriam incapazes de sentir em sua vida cotidiana, sem correr nenhum risco, já que se trata de outro sofrendo. Do mesmo modo, percebem estar participando de um jogo inofensivo à própria segurança. Seria, assim, o prazer estético garantido pelas sensações de alívio e proteção.

A abordagem de Jauss baseia-se na união dos pensamentos de Górgias e Aristóteles, sendo que o prazer provocado pelo discurso ou pela poesia seria capaz de levar o ouvinte e o espectador a transformar suas convicções e liberar sua psique. Tem-se, assim, sua consagrada definição de katharsis:

(...) aquele prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de conduzir o ouvinte e o espectador tanto à transformação de suas convicções quanto à liberação de sua psique. Como experiência estética comunicativa básica, a katharsis corresponde tanto à tarefa prática das artes como função social – isto é, servir de mediadora, inauguradora e legitimadora de normas de ação –, quanto à determinação ideal de toda arte autônoma: libertar o espectador dos interesses práticos e das implicações de seu cotidiano, a fim de levá-lo, através do prazer de si no prazer no outro, para a liberdade estética de sua capacidade de julgar.

Jauss manifesta, então, que a função social da experiência estética – ou função comunicativa –, a katharsis, seria um fenômeno intersubjetivo, caracterizado pela “anuência ao juízo exigido pela obra, ou pela identificação com normas de ação predeterminadas e a serem explicitadas”. Percebe-se, também, a presença do pensamento de Giesz na definição elaborada por Jauss, onde é feita referência ao prazer de si no prazer do outro, que conduziria à liberdade estética da capacidade de julgar.

Trabalhos apresentados no Colóquio Internacional Katharsis

Ricardo Corrêa Barbosa, em seu trabalho “Catarse e comunicação: sobre Jauss e Kant”, reitera algumas das acepções exibidas anteriormente, tais como o poder da katharsis para transmitir normas de ação e o potencial emancipador da experiência estética. Segundo ele, a transmissão de normas de ação ocorre através da identificação receptor-herói, sendo criado um espaço de jogo que alivia o sujeito das pressões, ou, como diria Schiller, seria a “liberação das pressões cotidianas proporcionada por um estado lúdico” e, ainda, que “é pela beleza que se vai à liberdade”. A adesão do outro, gerando uma nova norma, seria um fator de socialização.

A mexicana Maria del Carmen Trueba Atienza faz uma crítica da interpretação intelectualista da catarse, cujo principal expoente é Leon Golden. A katharsis seria atingida através de um processo de “clarificação intelectual”, ou seja, simplesmente pelo entendimento racional do processo de imitação. Ao contrário do que prega Golden, Carmen expõe a relevância de outro componente no fenômeno catártico: a apreciação do objeto por si mesmo, pela beleza de sua criação ou execução. Segundo Jonathan Lear, “o prazer da tragédia não é cognitivo, mas mimético”, derivando da identificação ou do reconhecimento do objeto imitado. Se a identificação não for possível, pode-se apreciá-lo como representação, pela maestria com que foi executado e pelo prazer que nos oferece.

Fernando Ruy Puente, em seu ensaio “A katharsis em Platão e Aristóteles”, enumera as diversas interpretações para katharsis, que seriam: a) moralista ou didática, levando ao aperfeiçoamento moral do público através da tragédia; b) amadurecimento emocional e fortalecimento através da tragédia; c) moderação, ou seja, purificação com a busca da mediania; d) purgativa ou patológica (ou abordagem médica) que seria o expurgo das emoções dos espectadores; e) intelectiva, para a qual a tragédia propiciaria uma iluminação intelectual e f) dramática, ou estrutural, onde a purificação ocorre no interior do drama e não no espectador.

Essa última acepção é recorrente nos estudos literários, onde parece sempre existir a possibilidade de uma abordagem estruturalista em que são analisados fenômenos internos à obra. Esse método será um dos utilizados neste trabalho de análise do livro “A Metamorfose”, estando aliado ao estudo da catarse no elemento receptor, o leitor.

Exemplos cotidianos

Tomando como base a abordagem médica, ou purgativa, do fenômeno catártico, é possível observar a ocorrência da katharsis em várias situações cotidianas, tais como eventos esportivos, shows musicais e apresentações cinematográficas. É possível imaginar melhor razão do que a purificação da alma para levar a um jogo de futebol milhares de pessoas? Quando o time vence, é comum mencionar: “saí de alma lavada”. Não se trata, neste caso, de uma criação estética como a tragédia grega, mas é inegável que ocorrem situações inusitadas de competição e emoção numa partida, as quais podem levar a essa “liberação da psique”. Além disso, não é à toa que se tem falado por tanto tempo em “futebol arte” – até mesmo o historiador marxista Eric Hobsbawm chegou a escrever sobre isso no livro “A Era dos Extremos” –, pois é notório que nos grandes espetáculos futebolísticos alguns atletas superdotados parecem atingir dimensões sobre-humanas. Não seria este caso um exemplo claro da necessidade do herói mencionada por Freud?

Não ocorreria esse mesmo fenômeno de liberação e apreciação em grandes shows musicais, como de bandas de rock pesado, onde muitas vezes não se pode falar exatamente de beleza harmônica e sofisticação das letras. O que levaria as pessoas a apreciarem algo aparentemente feio e violento? Da mesma forma existe, a apreciação cinematográfica. Qual de nós nunca aceitou o jogo sugerido por um filme e não embarcou em sua fantasia, solidarizando-se com o protagonista, ou herói, e não saiu com uma tremenda sensação de alívio? Que dizer, então, do prazer existente nos filmes de horror, onde há excessos de sangue, vísceras e fenômenos sobrenaturais? Parece ser a apreciação do feio já mencionada desde a Grécia antiga.

E em Kafka, a katharsis levaria a uma cura médica? O leitor conclui o texto com uma sensação de alma lavada ou sente o peso do sofrimento de Gregor Samsa? Existe um reconhecimento intelectual da realidade que o escritor tcheco que nos mostrar? É possível, ainda que sem compreender os objetivos do autor, apreciar a beleza estética de “A metamorfose”? Vejamos, então.



ANÁLISE ESTRUTURAL DA KATHARSIS NO LIVRO "A METAMORFOSE", DE FRANZ KAFKA

O estudo de um fenômeno como a katharsis dentro da própria obra literária, de sua estrutura interior, é uma das possíveis formas de análise à disposição do teórico. Questões sobre em que momento ocorre a catarse no texto, porque ela acontece e que implicações ela traz às personagens, podem ser respondidas utilizando os recursos dessa abordagem. Pode-se perguntar, ainda, se teria o fenômeno catártico provocado mudanças nas personagens e no ambiente que as cerca. Faremos algumas considerações.

A transformação inicial, inversão do clímax

Imaginando ser possível classificar “A metamorfose” como um conto do gênero fantástico, percebe-se logo uma disparidade entre a história criada por Kafka e o padrão descrito normalmente pela literatura. Enquanto que na maioria dos contos tudo converge para o clímax final, a metamorfose de Gregor Samsa num inseto ocorre no início do texto, de maneira inexplicada. Assim, o leitor já encontra a personagem principal transmutada num bicho, e é a partir daí que o enredo começa a ser construído. A metamorfose de Gregor passa a provocar mudanças nos componentes de sua família. É possível verificar, deste modo, o fenômeno catártico como fonte de mudança, como gerador de uma situação nova. É válido lembrar que, mesmo tendo sofrido com a situação de Gregor, a família mostrou sempre um certo distanciamento e, no final, parece ter ocorrido um efeito purgativo das sensações.

Fontes de opressão sobre Gregor Samsa

Gregor é o protótipo do oprimido. Ele sente a pressão de seu trabalho, com um patrão tirânico cercado por funcionários subservientes, desprovidos de coluna vertebral, como ele mesmo diz. A família também o oprime, pois ele é, em princípio, o único qualificado para trabalhar e proporcionar o sustento de todos. O dever de pagar as dívidas do pai o obriga a permanecer vinculado a uma instituição na qual ele não acredita, representando uma farsa cotidiana, ou seja, seu papel social. O que não dizer, então, da opressão de uma sociedade localizada no centro de um conflito premente? O livro foi escrito em 1912 e o clima belicoso devia permear todo o tecido social. Não seria sua transformação em inseto um exemplo de mutação gerada pelo efeito catártico de liberação da psique perante a opressão de que era vítima? É válido lembrar que a mudança ocorreu após “sonhos intranqüilos”. Não seriam esses sonhos uma tragédia que, através da identificação da personagem com sua própria história, teria ocasionado a mudança?

As alterações ocorridas na família, verdadeira metamorfose

A concepção de katharsis adotada por Jauss relaciona o prazer estético à liberação da psique e à transformação das convicções prévias. Se existe prazer no feio graças à identificação e ao distanciamento, não é possível que a intimidade da família com Gregor e sua aparente frieza perante seu estado sejam sinais das conseqüências provocadas por um efeito catártico? Quando Kafka fala em metamorfose, estaria ele referindo-se à Gregor ou a seus parentes? A desgraça ocorrida com Gregor gerou diversas transformações em seus familiares, tais como o fortalecimento e rejuvenescimento do pai, a disposição da mãe para trabalhar e o amadurecimento da irmã. Eles parecem ter sofrido uma ação transformadora decorrente da mudança de Gregor. Ironicamente, o efeito mais contundente da metamorfose parece ter sido a passagem de figura essencial na casa a um verdadeiro peso morto que, enquanto vivo, atrapalhava o progresso do restante da família. Assistir à queda de Gregor funcionou, deste modo, como um agente de mudanças para seus familiares que, inclusive, mostram-se mais felizes no final do livro do que pareciam estar no início deste.

Seria tudo um sonho?

Numa obra rica, na qual o leitor termina sua angustiante tarefa apenas com indagações, desprovido de respostas, uma questão desponta elevando ainda mais o nível de desconforto e estranheza: seria tudo um sonho de Gregor? Quando Kafka menciona, no primeiro parágrafo do livro, que Gregor despertou de sonhos intranqüilos transformado num inseto, devemos acreditar em suas palavras? Ou talvez devamos duvidar justamente por que ele assim o afirmou? Mesmo a história sendo tão detalhada e indicando a passagem do tempo em meses, não estaria o personagem principal sonhando ter acordado? Essa indagação parece impossível de ser respondida, mas, com certeza, ela traz consigo uma nova possibilidade de interpretação. A vida opressora de Gregor poderia ter gerado nele uma ação transformadora impossível de ser concretizada – diferentemente do caso do operário em construção, de Vinícius de Moraes, capaz de lutar contra o poder estabelecido – no mundo real, já que ele não teria forças e disposição para o combate. Essa ação iria se manifestar, assim, em seu sonho, no qual ocorre a transformação liberadora de si e de sua família, a qual se torna independente dele. Para Gregor, é válido ressaltar, a única liberação possível é a morte. Deste modo, a transformação e a liberação de Gregor vêm da sua consciência de oprimido e se manifestam no único plano possível: o onírico.


O EFEITO CATÁRTICO NO LEITOR

Após esses breves comentários sobre que eventos catárticos – juntamente com suas conseqüências – poderiam ter ocorrido dentro do texto de “A metamorfose”, é necessário verificar o que acontece ao leitor da obra, que tipo de recepção esse conto fantástico vai ter de seu público.

Um convite para jogar

Como todo texto literário em particular, ou criação estética em geral, “A metamorfose” convida o incauto leitor para jogar. Se ele aceitar suas regras, por mais estranhas que estas sejam no universo kafkiano, este poderá participar como ator de uma das mais surpreendentes e ricas criações artísticas do século XX.

Para os formalistas russos do início do século passado, a riqueza de um livro podia ser verificada pela sensação de estranhamento derivada de sua leitura. Se este é um critério universalmente válido ou não, ainda que pareça ser um dos bons, o fato é que, na obra de Kafka, a estranheza parece ser algo recorrente.

O leitor, acostumado com certas práticas utilizadas pelos escritores e consideradas “normais”, ou melhor, comuns, sente um choque ao deparar-se com a total ausência da relação causa/efeito ou com o absurdo presente nas obras de Kafka. Entrar em seu jogo passa a ser, então, um desafio muito maior.

Empatia

Desafio aceito, a identificação com Gregor é inevitável. Ele parece ser a figura oprimida padrão: alma nobre, repleto de amor filial e fraternal, responsável, dedicado e altruísta. Estas são algumas de suas características pessoais facilmente verificáveis pela leitura do texto. Gregor aparece como idealizado justamente para fazer contraposição a uma família voltada para o utilitarismo, para dizer o mínimo, e a um mundo cruel, injusto e perverso. Ele passa a ser a vítima ideal, massacrado, pisado, transformado, por fora, num inseto, mas conservando, por dentro, o que há de melhor no ser humano. Assim é Gregor, escolhido para simbolizar o sofrimento humano nesse mundo de Kafka.

Ação transformadora

Da identificação com o herói, guardando o devido distanciamento, que sentimentos e transformações podem ser gerados num leitor-padrão e que mudanças ele pode provocar em seu ambiente?

A leitura de “A metamorfose” conduz o sujeito ao contato com o feio, com o sofrimento, com o repugnante, e, ainda assim, o faz sentir uma grande empatia por tudo isso. Segundo as teorias sobre catarse, esses sentimentos despertariam no público uma sensação de alegria – ou de alívio – por não estarem eles na situação do protagonista, sabendo-se, assim, protegidos. Ao mesmo tempo, resta um sabor amargo na boca provocado pela injustiça do destino de Gregor e pela insensibilidade de sua família.

Quando Gregor morre, parece que todos se libertam e que esta era, mediante os acontecimentos, a melhor saída possível. A irmã talvez estivesse certa sobre a necessidade de seu desaparecimento e ele, sem dúvida, compartilhava dessa opinião. Quanto ao significado do seu sofrimento, não é possível falar em redenção, porque não há culpa nele, mas sim nos outros.

A morte de Gregor traz um misto de alívio e tristeza ao leitor. Essa ambigüidade é quebrada, no entanto, pela indignação causada pela demonstração de felicidade por parte da família – decorrente da liberação de um pesado fardo. Seria possível criticar severamente seus parentes ou estaríamos esquecendo de que as pessoas fazem isso com mais freqüência do que gostamos de lembrar. Quem pode garantir que não há alívio quando alguém há muito doente e dependente se vai? O que dizer, então, das pessoas abandonadas simplesmente por deixarem de serem úteis, assim como Gregor?

Talvez a ação transformadora ocasionada pela identificação com Gregor seja a tomada de consciência dos fatores que oprimem o homem na sociedade moderna e as convenções que o aprisionam. Possivelmente o que Gregor nos ensina é a valorizar os laços afetivos, fugindo da lógica do utilitarismo vigente no mundo capitalista e corporativo. O destino de Gregor nos conduziria a um universo de relações mais humanas, um lugar no qual talvez não fôssemos esmagados como insetos.


REFERÊNCIAS

AMORA, A. S. Introdução à teoria da literatura. São Paulo: Cultrix, 2006.

ARISTÓTELES. Poética. In: A poética clássica. Tradução Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1997.

BACKES, M. A teia kafkiana. EntreLivros, São Paulo, ano 3, n. 27, p. 36-39.

BLOOM, H. O cânone ocidental: Os livros e a escola do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

BORGES, J. L. Kafka e seus precursores. In: Obras completas de Jorge Luis Borges, volume 2. São Paulo: Globo, 2000.

DUARTE, R. [et al.] (org.). Kátharsis: reflexos de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002.

JAUSS, H. R. O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis. In: LIMA, L (org.). A literatura e o leitor - textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

KAFKA, F. A metamorfose. Tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

NATHALIA, S. C. Considerações a respeito do “prazer estético” para Hans R. Jauss. Disponível em: http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/imago/site/recepcao/textos/natalia.htm. Acesso em: 30 out. 2008.

ZILBERMAN, R. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 2004.

sábado, 15 de novembro de 2008

Biblioteca - Os Tambores de São Luís 2

Bem, já faz algum tempo que concluí a leitura de "Os Tambores de São Luís" e devo dizer que minhas impressões iniciais não foram alteradas. O livro manteve sua força até o final e foi justamente nesse ponto que o autor nos entregou a última surpresa. A trama foi constituída magistralmente, convergindo para um conclusão surpreendente - ao menos para mim -, que mostra toda o engenho do escritor.

A história, alternando flashbacks com a caminhada de Damião em direção ao local de nascimento de seu trineto, se estende através de centenas de páginas cheias de detalhes e descrições de ambientes, pessoas e eventos. A saga de Damião foi exibida minuciosamente, mostrando seus momentos de glória e também suas inúmeras quedas. Josué Montello, durante todo o livro, demonstra seu apreço e sua admiração pela personagem principal e a coloca num patamar de superioridade - moral e intelectal - em relação a todas as outras.

O livro é, sem dúvida, um dos melhores que já li e despertou em mim o desejo de conhecer outras obras do autor - como "Cais da Sagração" - e também de visitar os muitos locais de São Luís mencionados no texto - a exemplo do largo de São Pantaleão, de onde vinha o som dos tambores que perpassa toda a vida de Damião na capital maranhense.

Para não ficar apenas nos elogios, guardei um pequeno senão que ficou martelando em minha mente por todo o tempo em que estive a ler "os tambores". Pareceu-me que Damião, das alturas de sua superioridade, perde um pouco de sua humanidade, adquirindo um perfil um tanto quanto messiânico. Ele teria algo a ver com "o escolhido", um sujeito ungido, marcado pela natureza, pelo destino ou por Deus para conduzir seu povo à liberdade, algo como um Moisés cor de ébano. Vale ressaltar que Hollywood gosta muito deste tipo de personagem, pois a indústria do cinema utiliza bastante o herói pré-destinado em seus filmes - basta ver o Neo, de Matrix. Tal espécie de salvador é comum também em outras culturas, como a portuguesa, onde a espera por Dom Sebastião é largamente conhecida.

A magnanimidade de Damião às vezes ultrapassa os limites do crível e me deixou impaciente em diversos momentos, parecendo-me que o personagem foi idealizado em excesso a fim de enaltecer as qualidades do seu povo oprimido. Afora esse particular, a leitura se mostrou uma grande e rica experiência literária, das melhores que já pude vivenciar.