domingo, 13 de abril de 2008

No Centro 1 - Prelúdio

Chove. Na verdade, não é propriamente chuva, é uma garoa. Mas, onde estou? Lembro-me de estar nos trópicos, perto da linha do equador, mais precisamente em Fortaleza. Assim, não há garoa, mas neblina. Então, neblinando, começo esta história.

O centro é um lugar diferente. Às vezes engraçado, diversas vezes triste, em determinados momentos, perigoso. Hoje, na maioria das grandes cidades brasileiras, é um local meio abandonado, cuja primitiva fase de riqueza já passou. É óbvio que todo centro já teve seu apogeu, senão não seria o centro. - Puxa, que raciocínio! - deve você pensar, mas mesmo uma constatação tão primária é importante para perceber que em tudo há um ciclo, que a riqueza - arrastando as pessoas que podem acompanhá-la e algumas outras, é verdade, a reboque - muda sempre de lugar, de acordo com o momento histórico.

Assim, o centro de nossa cidade, que não foge à regra, não mais está no topo de seu período áureo. Por essa época, pessoas como o meu sogro caminhavam pelas calçadas vestindo ternos de linho branco, portando chapéus, olhando as moçoilas que flanavam pelas praças a comer pipoca e indo ao cinema. Andava-se a pé, pegava-se o bonde e morava-se por ali mesmo, nas proximidades. Com o passar dos anos, contudo, os ricos decidiram mudar-se dali para poderem estar distantes do populacho e continuar a freqüentar seus clubinhos particulares. Shopping Centers foram criados em locais afastados, de difícil acesso para os mais humildes, e com uma suntuosidade opressora, a qual inibia a presença dos indesejados. Assim, com o crescimento desses bairros próprios para os abonados e seus respectivos locais de comércio e convivência, o antigo centro passa a ser freqüentado apenas pelas camadas mais pobres da sociedade, com seu padrão normal de consumo. Diante deste fenômeno, o poder público também "pegou o beco" e foi envidar esforços em outras paragens, relegando ao abandono a região mais antiga da cidade. Se, ao ler este texto, você notou alguma semelhança com o ocorrido em seu município, não se assombre. Estou falando de Fortaleza, mas o mesmo pode ser dito acerca de muitas das grandes cidades brasileiras, para ficarmos apenas em nosso país.

Bem, esse discurso todo com cara de análise sociológica de fundo de quintal serve, ao menos, para que vocês saibam como é o centro que freqüento e possam imaginar que tipo de pessoas andam por lá. Pensando melhor, creio que o esforço foi - ao menos em parte - em vão, pois acho que esta última tarefa não é das mais fáceis, já que todo tipo de gente perambula por essas ruas. O rico pode não morar mais por aqui, mas muitas vezes tem que dar uma passadinha. Seus filhos, por outro lado, são bem mais assíduos - e por diversas razões que não vêm ao caso. Desta forma, o centro é interessante porque nele convivem, por alguns instantes, o empresário e o mendigo, o operário e o ladrão desqualificado, a dona-de-casa e o estudante. Deste modo, podemos ver que a fauna é grande e posso garantir que alguns de seus espécimes valem a pena ser observados mais de perto.

Neste exato momento continua a chover e uma figura interessante se aproxima...